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Tênis & Feitiços versão expandida: diário de criação 02

– por JORGE VALPAÇOS

Tênis & Feitiços é um RPG sobre jovens bruxas, comédia, ocultismo e dramas adolescentes. Confira a entrada anterior deste diário criativo aqui.

Outro formato de publicação?

Pode parecer óbvio, mas a experiência que temos ao lermos e ao jogarmos um jogo com poucas páginas ou um panfleto é diferente da que temos com um manual estruturado de forma mais convencional. Não estou falando que um formato é melhor, mais denso ou ainda “mais sério” que outro, ainda que o imaginário sobre jogos considere o “livrão capa dura” com mais “presença” (para usar um termo comum em rpgs) que uma folha de papel dobrada.

Mesmo que eu critique a hierarquização das mídias usadas para publicar manuais (Pacha, publicado em áudio apenas, é parte destes questionamentos), não posso ignorar o que há de específico em um panfleto e em um livreto/zine, o formato que escolhi para a nova edição de T&F.

Jogo em panfletos são mais diretos, mas isso não significa que são mais simples. Em virtude de sua grande síntese, eles se utilizam do repertório da pessoa leitora para preencher as elipses do texto. E isso gera um paradoxo peculiar. A acessibilidade pretendida em jogos em panfletos esbarra no pouco detalhamento de propostas específicas, o que gera um entrave para o desenvolvimento de mecânicas muito fora da curva, já que demandariam muito espaço para comunicar algo complexo ou inédito.

Por outro lado, um livro mais denso é mais caro e pouco convidativo a iniciantes. Dificilmente você vai investir centenas de dinheiros em um livro de rpg só pra conhecer. Mas é muito mais fácil começar a jogar tendo acesso a um texto detalhado, com comentários e opções de jogo.

A zine, com suas 40 páginas em média, atinge o melhor dos dois cenários. Não é caro a ponto de afastar a compra, possibilita mais apoio aos iniciantes e pode abrigar exemplos ferramentas, comentários e instruções que possibilitam a extensão da experiência lúdica e criativa.

O ano de 2023, um laboratório de minhas criações, foi focado apenas em zines (Amores da Vila do Caju, Cruzos, A Trupe é Outras Lições). Todos estes títulos são muito diferentes do que se espera de um rpg de mesa. E não seria possível apresentar a experiência de cada uma de uma forma tão sucinta. O Bonde Fantástico, por exemplo, que tinha uma versão minimalista em cartas, tornou-se muito mais coeso, acessível e manipulável pelas participantes quando se encarnou em um livreto/zine. Logo, a escolha do formato da publicação da nova edição de T&F é parte de anos de pesquisa, e daqqáe ao menos 1 ano de experimentações com zines.

Um cenário processual?

Cenário e sistema. Sistema e cenário. Não é incomum que haja esta cisão em jogos de rpg. E muitos do que consideramos jogos de rpg bebe desta tradição. Minha ludovivência tem a lógica do cenário e do sistema sendo entes retroalimentados. Contudo, grande parte das mecânicas do jogo não se prestam a apontar onde, como ou porquê o “mapa se abre”, ficando este processo determinado basicamente pela subjetividade das participantes; seja pelo planejamento da pessoa condutora da experiência ou seja pela intencionalidade investigava das demais participantes. Isto em uma abordagem mais comum de jogos. Ainda em jogos de narrativa compartilhada, o “e então, uma coadjuvante da facção N se apresenta” não se alicerça em acionamentos discretos e manipuláveis. Noutros termos: o cenário é um cenário, está lá, mas sua “vida” depende quase exclusivamente da “criatividade” (coloco entre aspas pois não se trata de criatividade aqui, mas de uma demanda imperativa de criação sem parâmetros ou suporte pelo jogo) de quem joga.

Em Lições rpg (veja Lições de Autonomia) e Herdeiros dos Antigos há uma série de ferramentas que usam o cenário (ou melhor, o mundo ficcional) como uma semente, como uma paleta de cores para o que será pintado. Ainda que não haja um “cenário padrão”, como em Déloyal, Arquivos Paranormais ou Pesadelos Terríveis, estes jogos demandam uma parametrização das regras da ficção (é isso que a Ficha da Agência faz, basicamente). O “criar o mundo”, mesmo que menos passivo que a simples apresentação de um universo ficcional (e sei que recortar um cenário para criar uma campanha é uma ação criativa e nada passiva), eu buscava pensar em como fazer o mundo (brincar de Deus, uns diriam) como parte do jogo.

Pausa. Não há qualquer problema em jogos que apresentam um universo ficcional completo. Eu mesmo criei Magos Lacunares com a Priss e o mundo todo está lá. Mas eu buscava outra forma de criar e jogar jogos, questionando a própria distinção entre cenário e sistema. Nesta abordagem radical, o próprio universo se desvela durante o jogo, durante o acionamento das mecânicas, da manipulação do “sistema”.

Eu queria fazer efetivamente um sistema de jogo de inventar histórias. Algo que não é necessariamente um rpg. Você pode não interpretar papéis. Mas você vai criar enredos, universos ficcionais, situações específicas para um estilo de trama. É isso que desejava e desejo fazer.

Não é em vão que abracei a radicalidade em jogos nos quais você “desenha o mundo que a personagem experencia”. O Casarão Bizarro e Ruínas Esquecidas levam a pergunta “um jogo totalmente processual e narrativo, com uma grande trama e condições de conclusão”, é possível?

Sabendo do que deveria fazer ao fim destes projetos, dei um passo além. Em A Trupe, há personagens com seus “atributos” e um plano de fundo. O mesmo em Gavaret. Mas em ambos os jogos, o universo ficcional não é apresentado à priori. Você “descobre o que vai ter ali” a cada jogada. Lançar dados ou pegar varetas não serve apenas a dizer se há um sucesso ou fracasso. Uma jogada vai alimentar a história, vai abrir o mapa, vai apresentar vilões, aliadas, situações diferentes. O mundo ficcional não está parado, aguardando a chegada de personagens ou o acesso subjetivo por parte das participantes. E você vai “jogar” pra acessar as possibilidades para continuar a história.

Aprendi que tudo isso era possível durante 2022 e 2023, investigando e apostando em outras formas de jogar. E nada como levar esta proposta de criação processual do cenário para T&F, inserindo mecânicas inéditas ao panfleto original.

Saiba mais sobre Tênis & Feitiços aqui, e ouça um podcast sobre este jogo aqui.

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