reflexões

2023: lembranças

– por JORGE VALPAÇOS

Este ano foi, e é, um dos mais marcantes de minha vida. O incrível é o fantástico estiveram comigo a cada segundo. Monstros, perigos, maravilhas e tesouros. Perdi, fracassei, desisti. Venci e gozei. Vida em jogos plurais: ludovivências. E como tudo que faço sangra, este texto, jogo de memória, também é esquecimento, afetos e desejos. A linearidade e a causalidade já estão de férias. Então, siga o ritmo sincopado desta (co)memoração ludonarrativa.

Dois novos velhos abraços. Um novíssimo velhíssimo abraço. Hiram Alem e Guilherme Monçores somaram forças e fraquezas ao Lampião. Rafão nos encontrou em São Paulo e no Rio de Janeiro. Amigos de anos, pessoas queridas que alimentam a chama do coletivo. Rafão é fundador e parceria minha em Déloyal e de Jefferson em Belregard, que ganhará nova edição. Rafão lançou, junto ao Diego Bassinelo, Breu, em 2023. Hiram já fazia parte do Lampião em 22, mas em 23 sua presença se fez ainda mais, com o desenvolvimento de seu Atenção, Demônios! e de nosso A Emissária. E Guilherme, principal apoiador do Lampião, já era nosso companheiro, mas em 23 tudo se concretiza. Que seu Espectros da Cidade Alva, que tive o prazer de jogar, se torne realidade como sua presença no coletivo.

Diversão Offline e Iniciativa RPG, encontros, abraços, emoções. A maior parte do Lampião reunida. O carinho de tantas pessoas que me inspiram na cena independente. Convites, leitores que me agradeceram e elogiaram. Dois prêmios que me surpreenderam: Lições ganhou Goblins de Ouro de manual básico de RPG e melhor coesão de regras. Tudo foi muito mágico. De verdade.

Este ano a partilha se disseminou em minhas práticas. Todo livro que lanço bonifica quem apoia a cena independente. Partilhei a vitória dos Goblins de Ouro com todos que fazem o jogo acontecer. Ali, minha definição sobre o ato de escrever livros de jogos, convites e partilhas lacunares de experiências imersivas na qual a coautoria é parte do estilo, foi verbalizada enquanto ato poético e político. Tal qual quando convidei meus colegas do coletivo para receber a premiação comigo.

Lições e Herdeiros dos Antigos encerraram um ciclo importante em minha carreira. Quase dez anos depois, penso diferente, tenho outras questões sobre jogos (o foco está mais no brincar que no jogar, bem como no relaxar, celebrar e partilhar que no vencer e conquistar). E 23 já é parte desta nova conjuntura.

A edição impressa de Amores da Vila do Caju, e os lançamentos Cruzos e A Trupe inauguram caminhos que me encontrei ao percorrer este ano. Fortuna, Enred@ção e Partilha, três conceitos, três sistemas de jogos que vão me acompanhar em projetos maiores. O sucesso dos três projetos. O início de um projeto novo: arqueologia do brincar, com Gavaret. Tudo isso foi publicado em 2023, em zines artesanais, o melhor meio para me expressar e fazer com que meus jogos circulem. Farei “jogos maiores”, como dizem, mas amei este formato e esta proposta. Não é um panfleto, tampouco “um livrão”, o sucesso de Terrores Insólitos, lançado este ano também e escrito com Diego Bernard, materializa o sucesso do formato. Não foi em vão que uni todos os livretos de O Bonde Fantástico e imprimi num único volume. Tenho certeza que os jogos que lancei em 23 são únicos. Você nunca viu nada parecido com o que fiz, e acho que me soltei de muitas amarras ao pensar na criação de jogos este ano.

Mas eu não sou o Lampião. O Lampião é um coletivo. E 2023 é o ano do sucesso de Breu, de Rafão e Bassinelo. É o ano do lançamento de Sob a Sombra dos Chifres e Abandonai toda esperança do Jefferson. É ano da comunidade conhecer Noir, de Luis Oliveira, bem como Atenção, Demônios! de Hiram Alem. Sou muito grato e feliz por ser parte destes projetos e me inspiro por meus colegas de coletivo. Todos do Lampião são responsáveis por um ano com muita diversidade na produção e de projetos que vão surpreender nos próximos meses e anos.

Mas 2023 se faz amargo também. Um ano de desistências. Desisti, desisti muito, desisti demais. Não consegui corresponder a convites em virtude de situações alheias a mim. Cheguei a faltar a minha festa de aniversário por estar esgotado física e emocionalmente. Foi um ano de muitas situações díspares: alegria extrema e tristeza absoluta. Abandonos, contemplações, aceitações e resignações.

Por isso, celebro o descanso, a preguiça e a distância. Oposto ao meu bizarro reconhecimento de “criar muitos jogos”. Eu não crio muitos jogos pela pressão por produzir mais. Crio jogos como relaxamento, escrevo brinquedos de inventar histórias como uma expressão de minha potência de vida, como forma de me manter em jogo. Escrevo enquanto forma de vida em jogo. Crio para viver pleno, e não apenas para sobreviver. Se crio muito ou pouco, não importa. Não quero fazer muito mais. Talvez menos. Mas se o convite de partilha lúdica for em apenas uma página, mas com verdade e tesão, que seja 2024. Votos de amanhãs no horizonte. E que o Lampião ilumine o caminho.

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