Herdeiros dos Antigos é um jogo narrativo de horror social e cósmico de Jorge Valpaços, desenvolvido por meio da parceria Lampião Game Studio e Editora Cha. Vamos conhecer os antagonistas deste RPG.
Quem dá as cartas
A Normalidade não é um Culto em si mesma, mas uma rede de pessoas, ideias e práticas disseminadas no cenário de jogo. Seu objetivo é manter o status quo, as desigualdades sociais e as ideologias hegemônicas. Pense nos barões da mídia, donos dos conglomerados, gente poderosa no jogo da política, os senhores da guerra, os ideólogos de regimes autoritários. Eles por muitas vezes estão ocultos nas sombras, apenas se deliciando com sua rotina de luxo assegurada pelo verniz vitorioso, ascético e conservador.
Seja por meio de propagandas, influenciadores, CEOs influentes, crenças movidas pelo fanatismo, quem serve à Normalidade almeja se integrar no pequeno círculo de poder. Contudo, eles não sabem que mesmo se achando parte do Culto, são apenas rêmoras que se alimentam dos restos dos peixes grandes.
Não é preciso saber ao certo quem é o vilão das Histórias, até porque não há um vilão por essência em Herdeiros dos Antigos. A Normalidade é uma estrutura social. Ela se manifesta por ideias e práticas internalizadas a cada olhar torto para uma pessoa marginalizada, a cada senso comum, a cada acriticidade. Não se gira uma chave para dizer que estamos agindo para a Normalidade. Ela é corporificada, naturalizada. E é aí que reside a sua força. Apenas o poder anárquico dos Herdeiros dos seres mais temíveis pode fraturar a ordem vigente. Herdeiros dos Antigos é mais do que um jogo sobre insubmissão. É um jogo sobre ser agente do Caos e do medo e não perder a vida e a razão apenas por existir.
Normalidade x Heranças
A dinâmica entre Culto da Normalidade e os Herdeiros, os protagonistas do jogo, é tensa. E põe tensa nisso. Enquanto aqueles que dividem os poderes dos Grandes Antigos desejam rasurar as regras do jogo, a Normalidade os enxerga como o maior perigo, algo inumano e antinatural. A quem segue a Normalidade, uma pessoa Herdeira há asco e repulsa. Afinal, em sua visão, além de serem aberrações, não reconhecem o seu lugar, abaixo dos merecedores, puros, fortes e iluminados.
Mas as coisas não são nem um pouco binárias em Herdeiros dos Antigos. Como já foi dito em outro artigo, este RPG joga com algumas tradições. Logo, há disputas, estratégias, negociações e conflitos a cada Cena, a cada Ciclo jogado.
A Normalidade pode querer te matar apenas por você existir, pode te explorar para manter o controle, pode te expor como algo bizarro, e pode ganhar mais contigo ao seu serviço. E quando ela descobre que você possui aptidões e horrores de entidades cósmicas, fará de tudo para que você subverta sua Herança e os forneça para solapar qualquer transgressão ao que está posto no cenário. E não são só eles que têm interesses diferentes. Você, enquanto pessoa Herdeira, também pode os manipular, fazer com que suas facções entrem em guerra, levar seus servos ao seu Culto.
Isso implica em escalas de cinza, matizes diversas nas relações entre agentes da Normalidade e Herdeires. A Normalidade pode cooptar a ativista para sua causa, facilitando a desapropriação da ocupação urbana. Mas a Herdeira pode ter se infiltrado na construtora para revelar seu planos espúrios. E é possível que as partes acordem por interesses em comum. Sempre há algo a negociar, corações e mentes para afetar.
Por vezes você vai dobrar os joelhos, por vezes você vai tecer alianças, e por vezes você vai pisar em cabeças. Este é o jogo político sob as regras da Normalidade. Um jogo com verniz de justiça e limpeza, mas que é essencialmente sujo. Então prepare-se para sujar suas mãos.
Normalidade x Coadjuvantes
Você notou que as relações entre Herdeires e a Normalidade não é uma oposição aberta e óbvia. Há nuances e até mesmo não há como ser alheio aos padrões que te formaram, ainda que por meio de violência física e simbólica. Mas quando lembramos que não há apenas protagonistas e antagonistas em Cena, as Histórias ganham mais complexidade, mais profundidade.
Primeiro porque uma Herdeira não é uma pessoa totalmente desconstruída. Todos estão em processo e você pode manter vários traços da ideologia da Normalidade em seu âmago. Fazer parte de um Culto e possuir uma Herança não te isenta dos atravessamentos do mundo. Logo, não é raro que haja personagens complexas, quebradas e contraditórias. Que você se relacione por meio de Afetos e Dramas com pessoas que agem pela Normalidade, e que tenha conflitos com quem partilha os valores de seu Culto. Aliás, não imagine que um grupo de jogo de Herdeiros dos Antigos é algo coeso, heroico e repleto de valores idealizados. Você vai disputar, negociar, entrar em conflito com outras personagens protagonistas. E não há nada de errado nisso, contanto que a tensão não sirva a espraiar a Normalidade.
Agora pense nos coadjuvantes, nas outras personagens das Histórias. Para sobreviver, elas precisam trabalhar naquela empresa predatória. Não é tão simples “largar o emprego”, bem como não se escolhe viver em uma área sob o controle da milícia. E estas pessoas, mesmo sem as Heranças que as Herdeiras possuem, também podem fazer parte de um Culto, ou seja, partilhar contigo os ideais da coletividade que você se encontra. Logo, são o alvo da disputa entre vocês e a Normalidade.
O elenco de coadjuvantes de Herdeiros dos Antigos mobiliza o drama das Histórias. Estas pessoas não devem ser “protegidas pelos heróis”, nem ao menos “tuteladas por quem detém a razão”. Você vai aprender com elas, vai se emocionar, vai se opor. E se você é alguém que deseja a autonomia e a quebra dos paradigmas da Normalidade, desejará que elas também exerçam sua existência diversa. Resta jogar pra descobrir como isso acontece.
Lampião Game Studio 
Um comentário em “O Culto da Normalidade, os Antagonistas”